Liguei-lhe. Afinal de
contas sempre fomos dois bons amigos e eu, homem de palavra, tenho dito e insistido
que um dia ainda contarei a sua história. Ou pelo menos tanto quanto sei da sua
história. E se ainda não o fiz temos apenas que lamentar o facto de um dia ter
somente vinte e quatro horas e não as necessárias e suficientes para que tudo o
que engendramos o façamos. Liguei-lhe mais de uma vez. A primeira foi ter ao voice mail. Aliás, não foi. O cliente
não tinha voice mail ativo, dizia uma
gravação da operadora em entoação radiofónica. À segunda pareceu-me ter ouvido
um clique de desligar. Talvez fosse impressão minha, mas fiz um compasso de
espera. À terceira atendeu. Já sei que já estão a pensar no cliché que diz que
à terceira é de vez. Pois bem. Foi mesmo à terceira e lá estava ele, com voz de
quem tinha acabado de acordar. Convidei-o a irmos tomar café à Costa. Verdade
seja dita que na Costa mora ele. Desde que se enrolou com uma sexagenária viúva
que foi morar em concubinagem com a dita, se bem que ele se não é sexagenário
para lá caminha, não lhe falta muito, cabelos brancos já os tem e nem sequer os
disfarça, diz que dá charme. Eu moro um bom bocado mais longe mas como quando
lhe liguei já estava escanhoado e de banho tomado, lesto me aprontei e ao
caminho me pus, percorrendo os, não muitos verdade seja dita, quilómetros nos
separavam. Escusado será dizer que Eduardo demoraria mais de meia hora a se me
juntar. Deu-me um abraço como se não nos víssemos há anos, o que não me
espantou já que estes gestos eram caraterísticos deste meu extravagante amigo
de quem um dia contarei a história de vida. E como não podia deixar de ser
falamos dos estragos que o temporal e as marés vivas fizeram na Costa, cujo
degradado espólio desacorçoadamente contemplávamos, falamos um pouco de política
que era uma das paixões de Eduardo, a seguir às mulheres e aos bons whisky de
malte escoceses, não pude deixar de ouvir, quiçá pela trigésima vez a história,
se bem que desta vez resumida da sua viagem às Highlands, onde terá visitado destilarias e jura ter adormecido por
baixo de um alambique. Inevitável mesmo foi falarmos dos serões em casa de D.
Micá. Ele não está certo do que terá levado D. Micá a fechar as portas do
salão, mas isso um dia esclarecer-se-á. A verdade, verdadinha e aqui não há como
duvidar, é que Eduardo, a quem eu pensei que o convidaria para um café no
intuito de o apanhar de surpresa, sabia perfeitamente, pois que a via regressar
bastas vezes dos pontões de pedra na costa, montada na sua bicicleta, canas de
pesca amarradas ao quadro, as galochas enfiadas no cesto das traseiras. Não há
dúvidas nenhumas. D. Micá tinha-se dedicado, efetivamente à pesca.