A Dora fazia anos e queria ter uma grande festa. Afinal de contas não é todos os dias que se fazem dezoito anos e, embora naquela época a maioridade se atingisse aos vinte um, aos dezoito era permitida a emancipação para determinados atos. E obter a carta de condução era um deles. Logo a Dora, que andava há tempo a namorar aquele Mini Clubman cor de café com leite. Seria uma das primeiras e das mais novas mulheres, aliás menina e moça, a ter carro e ainda por cima um Mini. Uns bons noventa contos, daquele tempo, mas os pais tinham posses.
Que me lembre de memória estiveram na festa, além da Dora e da mãe da Dora, que ia repondo o stock de comes e bebes à medida que o íamos devorando, estavam lá dizia eu, o Gouveia, o Coutinho, o Jorge, o Zeca, o Pires, o Antero, o Gregório (deste nunca mais me esqueço por razões que agora não vêm à baila, mas um dia destes contar-vos-ei uma empolgante e inusitada cena, em que o Gregório foi protagonista), a São, a Eduarda, a Maria Helena, a Guida Peres e a Guida Antunes, a Ana Cravo, outra Ana que só a conhecíamos por Bebé a Gina, ai a Gina… e a Carolina Franco. Estes são os nomes que me lembro mas eram mais, algumas amigas e amigos da Dora e vizinhos que moravam na mesma rua e que apenas conheci naquele dia. E havia croquetes, rissóis, pasteis de nata, bolas com creme, pastelinhos de bacalhau, ducheses e uns bolos grandes, com chantilly e fios de ovos, que a mãe da Dora fez e que estavam deliciosos, pelo menos aqueles que eu provei. E coca colas que naquele tempo não eram Coca Colas mas eram Canada Dry e laranjadas e gasosas Schweppes que era a marca mais famosa daqueles tempos além da Laranjina C. E lá numa arca que a mãe da Dora tinha na marquise, amontoadas e muito fresquinhas, Sagres e Cergal, esta última a cerveja da moda. Mas não podiam era estarem à vista pois parecia mal uma vez que ainda éramos menores.
Comemos e bebemos, principalmente bebemos, mas não foi só para isso que fomos à festa. Era pela música e palas miúdas. (Elas se calhar era pelos rapazes, mas isso eu já não sei). Ali se dançava o rock da época com o som a altos berros, dançávamos os Mungo Jerry com o seu In the Summertine, abanávamos fortemente a cabeça quando os Shocking Blues arrasavam com Venus, acalmávamos languidamente à voz de Jim Morrison, sentávamos para ouvir, só ouvir, a guitarra do Jimmy Hendrix ou a voz de Jannis Joplin e não nos desagarrávamos quando os Wallace Collection tocavam os primeiros acordes de Daydream ou Carlos Santana “sambava pa nós”. Foi no meio destes estados de estômago e de alma que demos por falta do Coutinho. Ele e a Guida Peres, que já andavam meio enrolados, de repente desapareceram. Ao fim de alguns minutos encontramo-los debaixo da mesa bem encobertos pela comprida toalha bordada de Viana do Castelo. Nem a mãe da Dora, naquele entra e sai com a bandeja dos pãezinhos de leite com fiambre, deu por isso, nem eles estavam propriamente a dançar o Whiter Shade of Pale.
A foto, que desta vez não é da minha autoria embora seja minha propriedade, representa a banda (algarvia) Six Irish Man, que aconselho vivamente a ser vista em concerto.